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sábado, 22 de dezembro de 2007

I'm tired of
Chasing Cars*,
Grant my
Last Request**



Se eu
deitar
aqui -

Se eu só deitar aqui -

Você deitaria comigo...?*



Conceda meu último pedido e só me deixe segurá-la, Não erga seus ombros - Deite ao meu lado. Certamente posso aceitar que estamos indo a lugar nenhum, Mas uma última vez vamos lá - Deite ao meu lado.
Descobri que estou destinado a vagar por aquela longa estrada, E percebi tudo sobre suas mentiras. Mas eu não sou mais sábio que o bobo que antes era. Eu só quero você mais perto, tudo bem? Baby, vamos nos aproximar hoje à noite... Diga-me como poderia, como isso poderia ser errado?**

mão firme no leme, meus companheiros!
olhar úmido ao horizonte, timoratos timoneiros!
não estais sentindo que quase estamos
chegando ou saindo de um alegre porto?

Não me dêem indícios a pensar que só falo aos mais humanos seres que já cruzaram de Gaia o caminho. Pois que os canídeos, esses já são quase os únicos que se deitam ao nosso lado - e eles não precisam de nossas tolas palavras, nos entendem sem elas. Pouco tenho a falar aos mais nobres, que demonstraram tamanha capacidade de empatia a ponto tal de empatizar com aqueles que, tendo o poder para ser os mais inteligentes e sábios dos seres, conseguem ser os mais ignorantes deles, se analisarmos a sua perniciosidade, sabotadora de toda a vida, inclusive a própria.

Porque, antes a melhorar o melhor, prefiro melhorar o pior. É um trabalho cuja conveniência é mais premente: de que tamanho proveitoso efeito seria descobrir um cintilante sabor de um novo molho, se para além das grades daquilo que se convencionou chamar de lares, famintos amigos espreitam a nossa rica indiferença dispostos a nos fazer justiça? E crueldade menos é matar para comer (tanto menos roubar para comer), o que todos os animais fazem, do que distrair-se, alienar-se*** para deixar morrer.

É neste sentido que melhorar menos é refinar do que engrossar. Como não entendemos isso em plena era da massificação?

Fácil eu posso aceitar que estamos indo à mais estúpida morte, mas, uma vez mais, vamos tentar engendrar a vida.

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* Snow Patrol. Eyes Open. A&M, 2006. Faixa 3. "If I lay here - If I just lay here - Would you lie with me...?"

** Paolo Nutini. These Streets. Atlantic, 2006. Faixa 2. "Grant my last request and just let me hold you, Don't shrug your shoulders - Lay down beside me. Sure I can accept that we're going nowhere, But one last time let's go there - Lay down beside me.
I've found that I'm bound to wander down that long way road, And I realise all about your lies. But I'm no wiser than the fool that I was before. I just want you to closer, is that alright? Baby let's get closer tonight... Tell me how can, how can this be wrong?"

***literalmente tornar-se alheio.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Meu estimado amigo anônimo

Agradeço pelas cartas. Atualmente nada me é mais permeável que o diálogo, e nada mais querido que meus leitores. Deste modo escrever a ti é escrever a todos os meus leitores e comentadores, e, antes do resto, caiba dizer que os aprecio muito, até os inexistentes, isto é, os contigentes, os vindouros e vice-versa.

Se, por ventura, o amigo leitor cansar do texto, pule até o fim do parágrafo - a você que gosta de promessas, prometo que ele será radicalmente diferente do anterior. Se, por acaso, não ocorrer o que prometo, talvez também seja uma bela oportunidade para você descobrir que não convém confiar em promessas - a esperança é a mãe da frustração, além de ser amante do medo.

Permita-me ainda outra colocação, na minha proposição pertinente, antes de responder mais diretamente às tuas palavras: Faço questão que as causas de minhas alegrias sejam pessoais (e quem não faz?), isto é, que tenham nomes, mesmo que não sejam eles que dêem significado ao nomeado, que tenham rostos, mesmo que sejam máscaras (já é o 'minhas' que diz: são alegrias referentes ao meu corpo e minha mente, como então não seriam pessoais, isto é, como não seriam relativos à minha pessoa? Só mesmo se eu não fosse uma pessoa, o que não está longe de ser o próprio caso). Estou quase em Spinoza, ao conceber como princípio da virtude exatamente o conhecimento. Gostaria que entendesse o que digo não como uma obrigação para identificar-se, nem mesmo como um pedido para tal - mas como um convite para uma maior intimidade (o que seria a raposa ao principezinho, se este não lhe tivesse distingüido da macieira? O que também nos mostra que a própria distinção pode tornar uma decepcionante mentira numa encantadora verdade, um egoístico incômodo na mais generosa conveniência - bem como a indistinção ou a indiferença podem fazer o inverso caminho). É uma temeridade julgar pela aparência, mas aparentemente não há outro o quê pelo qual julgar. E assim como então não faremos um julgamento (serás bem-vindo mesmo quando eu não souber que estás aqui - isto é, quando não distingüir tua face anônima do chão que piso - não serão os amantes do conhecimento também amantes do desconhecido?), é só uma questão de lamber as superfícies (nós cachorros não temos mãos, mas temos um gosto! grande sobremaneira que inclui até o reles); não basta tocar o que é querido, queremos torná-lo mais úmido (a vida é algo da própria umidade - em breve teremos uma postagem sobre economia, talvez isso fique mais claro). Fique claro, por fim, que entendo a pessoalidade como uma relação (por isso que disse relativos) - o que não é uma relação, hoje em dia? Poderia haver estoicismo maior?: os corpos são abstrações do movimento - eles próprios se constituem através do movimento, assim como se desconstituem, isto é, aquilo a que atribuímos uma identidade ou característica ganha tal atributo na medida em que se relaciona com outro aquilo, que então é a própria base da característica (efetivamente parece não haver conhecimento aquém das funções). Tudo é acontecimento, embora alguns sejam acontecimentos palpáveis. Não obstante, creio que, assim como os confusos conseguem ser pessoais com deus, todos nós poderemos ser pessoais com o desconhecido. O pessoal é exatamente aquilo que acontece entre dois (ou mais, obviamente - muito embora alguns resistam à idéia de que o amor possa ser plural, consideram, com isso, que ele vire qualquerismo, ou que, por contradição, acabe por negar a diferença - mas se por um lado não é exatamente o papel do amor ser a diferenciação ou aquilo que a engendra, tampouco ele deixa de a fazer - o que poderia ser mais fértil,e então mais forte, que a mistura?) corpos, sendo que assim acontece exatamente porque acontece entre eles - argumentar que não aconteceria desse modo se fosse entre outros corpos é exatamente o tipo de raciocínio que tento evitar, mas assim como essa falácia é talvez o único modo de ser entendido pelo vulgo (aquele que pouco sabe de lógica), e sendo esse entendimento vulgar algo que é caro a mim, disponho dela à guisa de exemplo. Bem entendido, aqui o vulgo é aquele que não sabe fazer uma afirmação sem fazer conjuntamente uma negação, e ele realmente acha que é somente com esse tipo de oposição que o conhecimento se torna diferenciador, e, portanto, válido. Oh, quantos vícios a paixão foi capaz de produzir, também nos mais altos filósofos, aqueles que tanto acreditavam que queriam estar no controle de suas paixões, aqueles que tanto acreditavam que queriam criticar o senso comum! Assim como a ação (minha diferença aqui para com o fulgurante Spinoza é italizar os sós) nasce do conhecimento, também o amor - o que Spinoza critica no livre-arbítrio está para o vulgo (o iludido), assim como a crítica do amor também está. Explico: o vulgo se crê livre para agir porque desconhece as causas do seu afeto, e se crê amante porque desconhece o que é amor (o que também implica que não sabe efetuá-lo - o que por outro lado não implica ainda que ele não consiga efetuá-lo); então o desconhecimento gera o próprio equívoco na atribuição de causas, e assim como um amor é mais possível para aquele que sabe ser causa dele, há uma liberdade mais possível para aquele que conhece o intricado funcionamento do mundo, e, em conseqüência e principalmente, do próprio corpo e da mente. Aquele que não sabe só atingirá uma dessas perfeições por um golpe de sorte, generosidade divina, um bom encontro imprevisto. Todos os seres têm bons encontros, muito embora só tê-los não basta para (não sendo mesquinho com os conceitos) aumentar o amor ou a liberdade: é preciso forjar noções comuns. Daí que o conceito de filosofia se faça na amizade, e a sabedoria seja grandemente aliciada entre amigos (oh, nossos jardins!). O principal desafio dos nossos tempos é mostrar como a liberdade é o próprio caminho para o amor (e que então este amor também é o próprio caminho para a liberdade, na medida em que os seres, segundo a sua potência, se esforçam por fazer existir e por amar aquilo que os faz existir e os faz amar) - então a contemporaneidade vive uma crise da autoridade, e reivindica mais a si os controles (não é, meu amigo reacionário?) e a educação, aqui entendida como a própria violência (o que seria mais sintomático disso que a reclamação da impunidade? crê-se que a violência pode mostrar o lugar ideal do sujeito, quando ela, na mais aproximada verdade, mostra antes onde esse lugar não é - o velho princípio de fazer afirmações a partir de negações): quando aprenderemos a chegar em nossos destinos mais rápido?

Há pouca razão para ser contrário a algo - neste sentido sê-lo seria até mesmo uma pobreza na diversidade de perspectivas ou de razões. Não existem problemas, e isso não é uma negação. Isso é a afirmação pura (a fazemos ainda mais pura acrescentando: "embora eles possam existir" - aqui é um ponto onde pureza e impureza se misturam: o mais alto vem ao mais baixo, tornando-se impuro, mas com esse movimento, ele liberta a própria impureza para a pureza - não há até hoje exemplo mais claro e difundido do que o de Jesus). Não existem problemas porque tudo é como deveria na lei natural de deus. Agora, se os homens quiserem inventar utopias, que comecem inventando um lugar para elas, um caminho para elas. O que havia tentado colocar era também o que dizes: será que chegaremos a outro lugar pelo mesmo caminho? Não tenho vergonha de dizer que no momento estou mais visando minha própria sobrevivência (é o que geralmente vem primeiro, depois vêm os luxos, mas será que eles convém? Spinoza os dispensava) - e se todos me dizem, por onde quer que eu passe, que eles só reconhecem que cheguei a um lugar novo depois de muito ter pisado a batida terra, é o que farei... Talvez seja uma disputa entre os velhos, detentores do poder, e os novos, seus questionadores. E talvez para uma criança eu já seja um velho... Assim como eu não sou exatamente um anarquista, isto é, não penso que a lei natural de deus deva ser a mesma dos homens, muito embora possa agir assim com fins libertários; e sou mais um democrata, em termos de organização social, digo então que cada um pense por si mesmo. E confio sobretudo nas crianças, na sua capacidade de amar, de inclusive amar os velhos...

Se, no entanto, não precisar passar por onde já passaram, trilharei meu próprio caminho. É isso que quer dizer a minha barganha, os meus fracassos, os meus sucessos. Sei que sozinho não triunfarei, até mesmo porque não quero ser sozinho, então dependo de vocês, dependo do que têm feito de mim desde que nasci... Mesmo sem ceder, são as forças que nos fazem, centrífugas, centrípetas, não raro maiores que as outras forças, as nossas forças... E é este duplamente duplo trabalho que tenho abraçado: por um lado, fazer uma rede de superfícies (tecidos - não têm sido meus instrumentos?, e quanto mais orgânicos, melhor), por outro, tentar aprofundar as relações, e por todos, tentar propor o que me interessa, e ainda ser ouvido, e ainda sem deixar de ouvir. Não tem sido fácil, tampouco difícil.

Então eu diria que o amor é e não é um estereótipo. Há outras respostas, mas essas duas analisamos: para os apaixonados, o amor é um estereótipo. Para os que têm idéias adequadas, não, o amor é o flexível e o fértil. Talvez o eu só venha depois para os apaixonados (ao que parece, ninguém entendeu até hoje a diferença entre um apaixonado e um bobo).

Realmente estou cheio de proposições. São, às vezes, tolas (ou serão só bobas?). E então entendes para mim o que significa encontrar ouvidos, pequenos ouvidos para ouvir o que é pequeno? Você, leitor, é meu auscultador do invisível - também eu sou invisível, e também eu prefiro não ser, sem deixar de gostar de ser - você, leitor, é o espelho por onde atravesso nosso labirinto.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Sobre fracassos crassos

deus é um grande barganhador
mas tenho confiança de que
hora ou outra
chegaremos a um acordo
é só uma briga
para ver quem é mais bobo

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Política (um título pouco satisfatório para um texto pouco satisfatório)

Durantes estas duas semanas, a proposta vai ser quase simplesmente fazer uma viagem (vai ser uma viagem com uma pequena introdução). O poste está dedicado a Sandro do Nascimento, outro incompreendido artista contemporâneo. O agradecimento é ao Daniel Dutra e à Talita Tibola, que hoje em dia são as pessoas que mais me dão o que pensar.

Assim como um artista sente no íntimo a irrevogável conveniência de mudar de estilo, também sente o vivente (até um simples silogismo aristotélico corrobora isso). Durante muito tempo me calar foi o modo que encontrei para poder estar contigo. Mas queres também minha voz intrusa e delicada. O riso que esgarça tua carne, escarnecida. As lágrimas que te louvam, demonstrando geometricamente a diferença entre tua presença e tua ausência, teu amor e tua indiferença. Não estás pronta, não é motivo pra te jogar fora. Talvez nunca estejas, ainda assim. É muito certo que te machucar seja o meu último recurso, mais último que morrer, esta crisálida, devir-borboleta, não sei dizer melhor 'que dizes. No seu limite e no meu limite é que nos encontramos. E se nossa relação real é superficial porque não sabemos nos comunicar, mostrar que nos amamos, para além dos estereotipos (os tipos estéreis, duros) - 'você não me entende', 'você me irrita', 'você não me dá atenção', quais mais temos? -, há algo de nossa relação profunda que não me permite ser sem ti. Agradeço então por existir em minhas fantasias, ser para mim mais do que o comunicável. A vida é um texto, e todo texto se presta a que, depois dele, a vida nunca mais seja a mesma. Sei que isso não acontece senão imperceptivelmente, e por isso nada me tem sido mais insosso que a distância dos corpos transformada em palavras. Não são essas as borboletas que queríamos. Ser ambíguo é meu jeito de ir além dos limites. Na verdade, não sei o teu. A impressão que tenho é constantemente essa, de que a gente não se conhece, senão pelos estereótipos. Algo acontece quando o fim é muito premente mas os meios não fluem. Eu me encho de defesas, começo a dizer, fazer o contrário do que penso mas nem por uma exata ironia.
Deixemos os prolegômenos para enfim viajar: http://radamesm.wordpress.com/2007/10/20/sou-tropa-de-elite
- comentário de um posto do Radamés Manosso, alguém que é mais do que um produtor de conteúdos educacionais para internet. Vamos conhecê-lo?

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Um lembrete, em tempos de prostituição e trivialidades

Convém àquele que quer (para mim querer é ato intransitivo, que, no máximo, poderia ser traduzido por querer tudo - mas concedo aos mais despreparados o seu objeto particular, sua fantasia), escolher bem as encruzilhadas onde venderá seu corpo - ou sua alma. Como se sabe, a sorte e o destino se dão em função dos caminhos e das escolhas. Precioso que a vontade saiba seduzir, do modo que lhe convier: que cante, que inebrie, que dance, que apazigue... O modo pelo qual a vontade conquistará os seus amantes não precisará condizer com mais de duas coisas: o seu destino e ela própria.
Jorge Papapá canta inescrupulosamente o amor veraz, o amor de ninguém: o amor é de ninguém e é narcísico, só quer a si mesmo (não quer, portanto, o ódio). Somos o meio, nós, os tradutores. Traduzimos o amor em amor, mas creio que ele estava falando do desejo. É como Delari [deleuze+guattari] pretendendo nos dizer para perder o nome e o rosto e sermos impessoais. Mas quem ama pode ser tão pouco minucioso? E, para nós, contemporâneos, se o amor se livra das amarras é para cair nos fluxos fugazes do desejo. Mais uma vez, escolhi o caminho do meio - e nada poderia ser tão infrutífero. O ciúme nos torna radicais, e também a solidão. Mas não toda a solidão. Não para quem é generoso com a solidão. Mas eu não estou mais sozinho, escondi minha solidão nos outros. Finjo estar perto para poder levar mais longe. Descobri que mais do que dicordar, gosto de levar mais longe. Porque reconheço que você me atravessa de um jeito que então não posso ser inteiro. Procuro-te em pensamento e não acho algo que diga algo, miragens móveis, voláteis no deserto. O corpo arfava enquanto a mente prescrutava, e não posso ser eu simplesmente quando você está no meio. E você é precisamente aquilo que está no meu meio, aquilo que está estorvando o meu fim. Se você é a seta que me desmonta querendo outra coisa, é oportuno eu te erguer e jogar longe. Sei bem fazer isso: sem que te doa. Você é um pouco a seta e um pouco o alvo, mas depois o que quero está além de você. Atravessada na garganta, que engole seco ou sangue. E o silêncio é mais incompetente 'que eu.
De Leve [http://dicamelim.blogspot.com] foi pro funk (ou melhor: estilo foda-se?) e fez sua obra-prima, na minha singela e superficial opinião: O que que nego quer? [http://media.trama.com.br/tramavirtual/mp3/m_38/193152.mp3 http://www.youtube.com/watch?v=EK7Apnie-4E] E a pergunta que coloco é: até onde pode esse movimento levar? Qual a mais pura nata do "vulgar" da sexualização (se existe a sexualização é porque um dia nós, seres sexuais, nos dessexualizamos)? Quer dizer: alguns estão tentando criticar a bunda com a própria bunda - e quem, de sã consciência, vai hoje no brasil se opor às bundas? Somos feitos delas! O punk brasileiro hoje não é o funk? Lembro-lhes, amigos, que quem faz cultura é a arte. Ou a maldição do pop (acessibilização da obra ao gosto) é a moda que veio pra ficar? Questões prementes para nós, artistas contemporâneos (estou falando da arte no mundo hodierno, e não da arte pós-Duchamp, que era um ignorante genial, e que influenciou muitos 'artistas', digamos, para ser afirmativo, que errar uma vez é procurar, e errar outras vezes é continuar procurando - como se conseguiu em plena modernidade não ter uma visão histórica? ou não se entender que o conceito está na própria metáfora e é mais belo que assim esteja? ou que o relativismo, o subjetivismo só implica em qualquer coisa num sujeito destituído de vontade estética, mais conhecido como o nihilista? - eles mal sabem o que é arte, fizeram dela um paradoxo quase ininteligível), que lutamos pelo espaço para demonstrar nossa arte sempre através das mais eficazes (e, portanto, mais deturpadas) traduções. A sedução é tanta que não sabemos mais o que é sério e o que não é (João Brasil [http://fmjoaobrasil.blogspot.com] diz que faz suas músicas de maneira séria, e que só agrada os outros porque agrada a si mesmo - fico eu pensando: e eu, gosto desse papapapapaparára porque tem suíngue ou por que me faz rir?). O que é o aprimoramento do narcisismo (deixaram os blogues de ser, se é que um dia foram, de adolescentes meigos e carentes ou, simplesmente, os rapazes ganharam barba e as moças cortaram o cabelo propondo a sua produção cultural - música, literatura, intelectualidades, dando estilos coquetes - e às vezes subversivos - ao seu inocente desejo de ser amado?)? Se há já no eu a instância do outro (como Freud perspicazmente propunha), o que me agrada em mim mesmo não é talvez o outro que há em mim? Se a fantasia é inerente ao humano, nossa questão fundamental é a dialética do desejo? Sofreremos sempre de nos entregarmos demais ao outro ou não nos entregarmos de modo algum? Sadismo e masoquismo no templo da democracia.
O trivial gera polêmica e o mau gosto nos redime. Nem mais eu sei se estou usando o caminho mais fácil pra chegar no lugar mais difícil (será que esse caminho leva lá?) ou se estou propondo o outro caminho (será que então é possível que ele realmente leve a algum lugar?).
O que sei é que nunca suplicaria como Miguel Torga (incrível que pareça, a solidão é mais impossível que o amor).

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Lignes de fuite: "Não façamos do amor algo desonesto" (Renato Russo)



Em 1979, Rupert Holmes abria o seu álbum Partners in Crime com a canção "Escape". Se você já foi esperto e clicou no link acima, você já ouviu esta música, acompanhada em imagens com o também popular jogo The Sims. Se você não foi esperto, é hora de ser, de um jeito ou de outro. Para quem não acompanha o inglês, há abaixo, a despeito do pleonasmo, uma tosca tradução (gosto de imaginar que Roland Barthes e Gilles Deleuze gostavam de traduções, me parece que combinam com suas filosofias; e elas não deixam de ser estranhas porque são feitas por quem, bem ou mal, sabe traduzir: isso implica que uma tradução nunca é feita para si, e é sempre uma corrupção tanto do público quanto da obra. Um efeito de literalidade é trair a linguagem e a língua. Traduzir é sempre um evento literário, e é escriturário se feito com estilo (- não é engraçado? Escolhemos nosso destino, mesmo sem saber qual é ele). Eu, pessoalmente, ou acho a tradução um mal necessário (Como não lembrar que ele é um bem para Spinoza, ou do amor fati de Nietzsche?), ou acho que não me convém. Nós, os tradutores, somos esses monstros insensíveis e histéricos. A nada somos fiéis, e isso é um jeito de bagunçar tudo. Nós, tradutores, traímos até a nós mesmos. Não há remédio: ter uma mente é traduzir, é, portanto, mentir. Só nos cabe refazer o apelo nietzscheano de mentir com elegância, e o apelo guattari-deleuzeano de preferir a coragem de trair à covardia e deselegância de trapacear):

Estava cansado da minha dama
Estivemos juntos muito tempo
Como uma gasta gravação
De um favorita canção
Então enquanto deitada dormia
Eu li na cama o jornal
E na seção de coluna pessoal
Li esta carta que havia:

"Se gostas de Piña Coladas
E ser pego na chuva,
Se não és dentro da yoga,
Se tens meio cérebro,
Se gostarias de fazer amor à meia-noite
Nas dunas do Cabo,
Então sou o amor que procuravas,
Escreva pra mim e escape"

Eu não pensei na minha dama
Sei que soa meio mau
Mas eu e minha velha dama
Caímos na mesma velha tediosa rotina
Então escrevi pro jornal
Tirei um anúncio pessoal
E embora fosse poeta de ninguém
Pensei que não estava metade ruim

"Sim, eu gosto de Piña Coladas
E ser pego na chuva.
Não sou de comida saudável,
Eu sou a fim de champagne.
Tenho que te encontrar amanhã ao meio-dia
E atravessar toda esta fita vermelha,
Num bar chamado O'Malley's
Onde planejaremos nosso escape."

Então esperei com altas esperanças
E ela entrou no lugar
Eu reconheci seu sorriso num instante
Eu conhecia a curva da sua face
Era minha própria amável dama
E ela disse: "Ah, é você."
Então rimos por um momento
E eu disse: "Eu nunca soube

Que gostavas de Piña Coladas,
Ser pega na chuva.
E a sensação do oceano,
E o gosto de champagne.
Se gostarias de fazer amor à meia-noite
Nas dunas do Cabo,
És a dama que procurei por,
Venha comigo e escape"

Pois os vivos não foram tão vivos quanto o artista, e o que aconteceu foi mais ou menos o seguinte: "Um casal bósnio está se divorciando, depois de descobrir que um traía o outro em chats na Internet. Detalhe: eles começaram o relacionamento virtual usando pseudônimos, e só descobriram a verdade quando combinaram um encontro real com os "novos parceiros".
Sana Klaric, 27 anos, e seu marido Adnan, 32, usavam os nomes de "Sweetie" e "Prince of Joy" em salas de bate-papo. Conheceram-se e iniciaram uma relação, confidenciando-se mutuamente os problemas que tinham em seu casamento. Os dois, de acordo com reportagem publicada no site Metro.co.uk, estavam convencidos de terem finalmente encontrado sua alma gêmea.
Então, resolveram marcar um encontro real para se conhecerem e descobriram a verdade. Agora, o par está em processo de divórcio, e um acusa o outro de ter sido infiel.
"De repente, eu estava apaixonada, era maravilhoso, parecia que ambos estávamos amarrados no mesmo tipo de casamento infeliz {o que ela parece nos dizer é que as aparências atraem como a verdade não o faz, pensamento estranho, mas talvez veraz: por que a virtualidade nos toca mais que a atualidade? É uma estética do devir?}", contou Sana. "Depois, me senti tão traída", disse {ela se referia à trapaça, o tão se diz: pelo marido pelo amante, e a pior de todas: a própria...}.
Adnan, continua sem poder acreditar no que aconteceu. "É difícil pensar que Sweetie, que escreveu coisas tão maravilhosas para mim, é na verdade a mesma mulher com quem me casei e que, por anos, não foi capaz de me dizer uma única palavra agradável". Você acha a notícia fácil, essa aqui eu tirei do sítio do Terra, na verdade a notícia é velha, como, enfim, é comum.
É normal ter problemas conjugais. É normal conversar com alguém sobre isso. Creio que é normal que esse alguém esteja na internete. Creio até mesmo que é normal acabar conversando com um seu conhecido, sem conhecer que é ele. É improvável, por isso acontece pouco, mas não é impossível, e por isso acontece. Tudo bem, o improvável nos fascina, vá lá. Mas não vejo muito o que fazer a não ser ficar estupefacto. O que quero comentar é o seguinte: há pessoas que não suportam o amor e ainda querem... casar! Se algo tivesse a ser pedido explicação para psicólogos, certamente não seria por que uma pessoa se apaixona, mas por que acredita na sua própria paixão.
O anormal não é encontrar em alguém o 'objeto' digno da nossa paixão. Mesmo porque não é isso que acontece, o que acontece é que nos tornamos dignos de estarmos apaixonados, e isso acontece com a primeira pessoa que aparece na frente. Certamente muitos vão discordar de mim, mas o mecanismo que eles têm em mente se chama resistência à feiúra, à burrice, à falta de tato, qual seja o caso.
Prefiro a versão de 1979, que é piegas mas não é tola ou rançosa, de um artista que teve sensibilidade suficiente para mudar o próprio nome da música (pequena grande tradução às massas e à sua própria fama), simplesmente porque as pessoas não tinham a sensibilidade para lembrar que aquela música que lhes agradara tanto, aquela, a da Piña Colada, na verdade se chamava Escape. Um nome tão propício! Esse é o nosso mundo...
Ao ser consultado sobre a própria música, Rupert disse (e eu traduzi e o lugar de onde, literalmente, tirei é: http://www.songfacts.com/detail.php?id=2896 ) : "Gosto de pensar que eles olharam um ao outro com vergonha e realizaram que antes de qualquer um correr para encontrar alguma fantasia que provavelmente não existe na realidade, eles podem reinvestigar seu próprio relacionamento porque há muito que eles ainda não exploraram. Penso que é um final feliz com nota de pé. Ambos estão um pouco chocados {com a galinhagem, se me permitem acrescentar}, mas nenhum pode apontar o dedo muito forte ao outro porque ambos estão querendo tentar um novo relacionamento e, felizmente, sua possível indiscrição os levou um ao outro de novo."
No caso presente, claro que não se trata de um ingênuo: "ã, eles deviam tentar de novo." O que eles deviam eles ficaram devendo, e ninguém deve nada a alguém do qual na verdade é credor, embora, claro, nada o impeça e mesmo se aconselhe a perdoar as dívidas, especialmente quando um é credor do vice-versa. Mas, por incrível que pareça, ninguém sabe melhor do que eles como o seu relacionamento funciona (e, principalmente, como não funciona), o que mostra também como desconhecemos nós mesmos, os outros, aquilo que amamos e aquilo que odiamos (e neste sentido são nossas próprias concepções apoucadas que atravancam nosso mais saudável devir). Mas na verdade tudo isso é não só uma crítica, mas um fato comprobatório (para aqueles que ainda querem a ciência, e a ciência nesses moldes) contra os que torcem o nariz ao relativismo. Há, volta e meia, uma espécie de sentimentos dentro de nós que nos dispõe ou indispõe com o que está à nossa volta, e, ser alegre é tão possível quanto ser triste. Aqueles que não gostarem dessa frase certamente argumentarão contra ela com um sentimento indisposto.
Mas realmente o mais importante de tudo é que a lógica não funciona quando a ética não funciona...
E se por um lado nada faz mais sentido do que abandonar a literatura, a arte está sempre transformando a existência em vida...
Últimos diálogos, com Delari:
O conto de Rupert e a novela de Zenica (essa da Bósnia): o que poderia ser mais duplo que este casal descasado, duplicado na virtualidade, odiados ou insossos amantes, rebatendo a mentiras (a trapaça, porque as traições são declaradas) com mentiras (a paixão)? E enfim nada aconteceu, mas tudo mudou. O maleável se maleou tanto que explodiu (e vai se a outro duro?). Viu além do rosto, olhou além do olhos. A esturricante claridade aqui é que os cega: nenhum segredinho sujo (eu amo outro - eu não te amo) a esconder e estamos livres, entendidos: "amor desfeito para ser capaz de amar", num caso ou no outro. Pouco basta envolver-se, mais é desenvolver-se. Desfazer-se do eu, da vaidade imperiosa, da identidade (não ter mais um nome - ter outro nome, não ter mais uma face: alguns só conseguem fazer isso, tornar-se imperceptível virtualmente; outros fazem isso exatamente para esconder segredinhos...): e não se trata de não ser notado como na multidão urbana, porque ela não ama. Em suma é desistir de ser amado sem deixar de amar. Libertar-se do passado e do futuro (o que não significa livrar-se, exatamente porque estamos falando de amor e não de sexo), afinal "Un instante cualquiera es más profundo Y diverso que el mar" (Jorge Luis Borges).
Dois jeitos de não fazer do amor algo desonesto. Pode haver mais, mas trapacear não é um deles, nada é amoroso no trapacear. O primeiro é ser fiel, fidelidade ao ser amado; e o segundo é trair, fidelidade ao amar.
Já eu, não te pergunto se posso ser teu clandestino, simplesmente me alojo ali no teu peito, com teu estranho, ambíguo consentimento...
Posso eu brincar: não levo as paixões a sério, vivo a desafiá-las.
Cabe agora um pouco despir-se das fantasias... Despir-se das fantasias, meus vindouros!
O real e o que couber nele, viver de corpos e ações.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Digerindo

Em resumo, o que consigo afirmar é solamente a vida. Nem um amor pérfido a mais. Nem um pecado inconstante. O que o eu afirma é só essa linha que ele faz, com a matéria da carne, entranhas revoltosas e incomodadas, essa linha que se desfaz nos confins do tempo, nas imemoriosas sombras das próprias carnes que se devoram precariamente, em busca de uma vida um pouquinho mais extasiante. Nem as saborosas lágrimas. Nem o pavor do vento. É a vida que me leva, despeito de eu sempre tentar seduzi-la. Batalha ingrata da minha melhor amante: eu tento afirmar mais do que existe, quero fazer acontecer, e ela me replica dando somente a si mesma, porque nada mais há para dar. O eu, presunçoso, acha pouco aquela que se dá inteira, e vive a sonhar, com mais do que tudo... Meu espírito tem grandes olhos sôfregos que gritam 'mais!' enquanto inventam a realidade. Vida! Eu te mereço mais quando estás triste do que tu me mereces quando eu estou alegre, tu mereces mais do que eu tenho pra lhe dar. Até a tristeza...! Vou tentar ser mais agradável com aqueles que vestem teu precioso manto. Toda a vontade excedente, tudo aquilo que quero para além do imediatamente possível, vêm para mim em fulgurantes sonhos. Mas eu sou o devir, e eu convido a vida para dançar.

Visto o saldo, cabe agora uma nova temática, um novo modo. Embora melhor seria se visse sempre o que consigo afirmar, o mais premente agora é circular de outro modo, mais inteligência, mais beleza, mais humor, mais concisão, mais tato, contato. As coisas vão mudando assim, aos saltos e entrelaçadas, só estou fazendo a enunciação disso. O bobo vai tomando todas as partes de mim, e as grandes demandas do eu vão esmorecendo, enquanto nascem as conquistas das demandas dos outros, que passarão a ser subjugadas democraticamente, e postas sob nova perspectiva, nova aparência, até mesmo novo conteúdo. Não é preciso que um eu passe através de um grande outro para então se tornar um grande eu? A ética será tanto maior quanto mais noções comuns houverem.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Esperando

Pelo momentâneo lapso genial de inteligência que nos fará ser completamente felizes por toda a eternidade, enquanto olho pra você, e te convido a ver
o mundo através dos olhos meus.
{o detalhe é que o lapso que espero é o seu, o sim seu}

sábado, 28 de julho de 2007

"teu corpo existe porque o meu Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio, É que move o grande corpo teu" Hilda Hist

Abandonamo-nos. Mas não nosso amor, que nos persegue, assombra nossos sonhos, puxa por um fio à superfície. O mais alegre é o desvairado, nós pisamos a usada terra com muito cuidado. Será bom te abraçar de novo, será bom te encontrar pela primeira vez. Saudável desconhecido, por que embriagas meus olhos? De lágrimas numa face sem vincos. Sim, então serei mais bonito que a loucura, te seduzirei como o mar, no meu embalo, com minha imensidão em olhos fitantes, cheiro impregnado de maresia, fantasia de tesouros perdidos, ladrões sem lar, aventureiros naufragados.
O afeto é mais que o ser. Qualquer coisa transborda de sentido. Crueldade gentil da natureza fazer vibrar o mundo dentro de nós e ao nosso limite, com todos os seus tons, cores, sabores, texturas, odores. Quem entende a vida não recusa o seu chamado, abandona a si mesmo para transbordar seu sonho. A dor não arde mais que o sol, que vai à espantosa velocidade, traz em si todas as cores, é mais quente que qualquer inferno - que ironia, tanta vida, a doçura, nascer do fogo, que a tudo consome, inconsolável fome, só menor que a dos buracos negros, dos teus olhos, da tua boca, do teu vício, do teu cu, da tua cona. Luz, luz, luz, onde foste sem mim? Te convidei por toda a escuridão. Se todo o universo se contradiz nos seus átimos, pergunta ao nosso pensamento a delicadeza de entender que o pior enseja o melhor. Devore-o. Se te despires de todo o teu medo, eu prometo, a primeira e última promessa de minha vida, te acompanhar por inteiro, qualquer inferno, que será pouco, o medo dá a dor um aspecto grotesco que ela não apresenta - a dor é potência, expressão da potência, grita, grita, o que acontece contigo é maior do que tu, sabemos, tenha a dignidade de abraçar teu destino. Delírio, delírio, onde foste sem mim? Êxtase, êxtase, como subiste só se arrastando passo largo pelo chão? - Eu adoro quando tua perplexidade me pergunta, vítima de uma lógica derrotada.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

É quase o caso de afogar em fogo

Sou tão íntimo como nem tuas entranhas.
Você é o mundo pelo qual perambulo, inesgotável labirinto.
Poderia dizer que nunca lembro de ti.
Seria tão exato quanto dizer que nunca te esqueço.

Antes de ti, havia em mim uma solidão enorme.
Você deu fim a ela dizendo: dorme.
Quando nos despedimos, ela voltou, maior e com mais fome.
E a cada vez que te vejo novamente, ela não some,
Mas aumenta porque não sabemos ser amantes.
Quanto mais perto estamos, mais palpável é nos sentir distantes.

A solução para mim é encontrar alguém com uma solidão semelhante,
Que inclusive contenha, como eu, uma solidão de si, solidão dançante,
Que se autoabandone e se traia comigo, periodicamente.

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Morrer na tua boca

Não sou ninguém.
Mas se você precisar de alguém,
Posso até me transformar.
Como um da multidão
Me distingüir:
Só pra ver que você me vendo
Nos faz sorrir.
Abandonamos muitos lugares
Para sabermos estarmos juntos,
Abandonamos muitos pares
Para o encontro no parque,
Então não soubemos o que dizer,
Nós, os sábios - os olhos respiravam,
Demasiado acordados,
Muito atentos à invisível escuridão.
O pensamento sobressaltado,
Procurando o modo de estar perto,
Procurando onde pôr as mãos.

Há um fio que de ti eu fui puxando
Que nunca acabou de vir.
As migalhas que deixei pelo caminho
Você, passarinho, tratou de engolir.
Me ofereceu uma bela, vistosa casa
Toda feita, engenhosa, de chocolate.
Veio o sol e nos derreteu.
Você me prendeu em uma gaiola
Toda dona, me alimentando para o abate.
Até que comecei a cantar -
Seus olhos doces e negros
Retribuindo que eu iria calar
Sua fome por alguns momentos.

Que graça mais sutil!
É se oferecer em alimento -
Pouco está mais vivo do que aquilo
Que faz viver, mesmo morrendo.
Depois não existe mais eu e você
Em separados compartimentos:
Eu carregarei num nó
A mordida que você me deu;
E farei um nó no corpo teu
Com o pedaço que de mim tirou.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Para te mostrar o que é força

Sóbrias sobreposições ainda não te embriagaram o suficiente para te fazer embarcar no maior detalhe do menor escrúpulo. A afirmação do teu ouvido fechará os olhos muito depois das reverbações do meu sussuro. Digo teu nome, você morde o ciúme, derrete porque há calor, e não há realidade que pare de engendrar um delírio esvoaçante. Pede a materialidade, porque está dopada de energia. Entre os dentes, escorre o sangue, vejo quando ergues o rosto, olhos insanos, risada saciada. Não me bastam tuas garras para acabar com o meu prazer, torne o mundo úmido, tépido, derrame a maciez. Vai, me suga como se eu pudesse explodir.
Não importa quão branca, quão loira, quanto azul você derrama, volto, quero mais, como se você fosse mais escura que o breu à sombra, e obrasse um cadáver de grandes órbitas ávidas a ver a vida. E não importa quão rubra, quão verde, quanta raiva despeje de ti, somos muito grandes para poder sucumbir. Esfrega, aperta, faze o que preferes, suja, desafia o meu amor de labirinto, maior que qualquer fio.
A vontade é um turbilhão que derruba e desvia qualquer parede. Não preciso de portas com a furiosa delicadeza, tão exata quanto o teu desejo.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Por que a dor?

A dor é um mecanismo engendrado pela vida simplesmente para nos dizer que ela é, de tudo aquilo que existe, a mais importante. Por isso, a maior dor do mundo é só um convite para viver ainda, e viver do melhor modo. O quanto, às vezes, não entendemos o que é um convite. O quanto dizemos não, querendo fazer doer de volta, a vida, mas a vida não dói não, é sempre um eu que dói, e se a vida faz um eu doer, é porque nos convida, nos convida ao prazer. O eu foi, até algum tempo atrás (e já faz muito, não entendemos ainda), a potência mais expressiva da vida, mas ela não é a máxima: e assim como os modos de existência foram se abandonando e transformando, talvez seja conveniente a nós e a ela hoje também abandonarmos o eu... alguns acham que alargar o eu, alargar a vida, é dizer menos. Eu acho que é dizer mais! Adeus, exclusões, que são quase sempre mútuas: aquilo que o eu exclui, exclui o eu, aquilo que exclui a vida, também é excluído por ela – e se não exclui é por uma grande generosidade, cujo melhor nome atribuído até hoje, creio ser este próprio, vida... Se recebemos mais do que merecemos, é porque a vida, exatamente por não ser pura necessidade, se nos oferece com tantas possibilidades, se oferece até para quem não a quer. Aprendamos com a vida, meus amigos, meus dolorosos. Aprendamos com ela enquanto não percebemos o que pode ser maior que ela...
A vida, a mais puta, a mais fértil, de todos os modos de existência; a mais masculina, a mais adulta, sempre se fazendo de fêmea e criança. Já entendemos a força de um toque, a intensidade de uma extensão? Se oferece a quem não a quer, se oferece a quem não a paga, se oferece aos gratos, aos mesquinhos, se oferece a quem prefere a tristeza, aos ricos, se oferece a quem não a dá prazer, por prazer... A vida, a mais incompreendida, a mais vilipendiada, é mais que deus, a vida é deus de sentidos abertos.
Se a dor é o mecanismo pelo qual a própria vida grita, poderíamos mesmo dizer pede atenção, não é por egoísmo, não é, em primeira instância, para que sejam generosos com ela, mas para serem generosos consigo próprios. A vida convida: vamos, isso é bom! O que a vida nos diz, enquanto nos faz gritar, é: como você, o eu, que se acha tão consciente de si, não percebe que ser generoso é o grande prazer? - pouco percebe para que serve um eu! E, para quem percebe bem, não é a vida que faz doer ou gritar: ao se dar ao eu, ao dar liberdade ao eu, ela permite a este que ele próprio se mutile. E isso não é falta de cuidado, é a máxima liberdade: me deixe, se não me queres, abrace a tristeza, a dor, se preferes. A vida é o mais difícil dos labirintos, por ser o mais aberto deles (por ter menos paredes).
E eu, meus amigos, quero servir a vida, a trarei numa bandeja a vocês, levarei vocês numa bandeja a ela, é melhor ser prazer por inteiro, e a vida, travestido de eu, convidará a todos para este baile à luz do sol e à luz da lua: o devir-alegria. A vida, a mais suja, saberá se fazer como a mais pura...
Não tínhamos ainda entendido o convite da vida, porque ela se dava somente como exemplo, beleza, mas nós inventamos a linguagem, a comunicação; e agora é possível mais do que vivê-la, sê-la, senti-la – é possível entendê-la mais do que com afeto! Ainda não é possível pô-la plenamente em palavras, mas encostamos nos seus pés: a liberdade não é um convite para fazer qualquer que se queira, muito menos para fazer o que é preciso (gratidão, dívidas, deveres – não se trata de devolver ou retornar, mas de dar mais, tornar mais)! O que toda liberdade diz, mas pouco entendemos porque não fala por palavras, mas por seu próprio corpo, pelo próprio acontecimento, é: seja generoso; se você realmente me ama, me tome, me tenha em você; me faça existir, me crie, e me torne maior...

quarta-feira, 20 de junho de 2007

É ter, com quem nos mata, lealdade: tão contrário ao eu pode ser o amor!

No mundo, há três espécies de pessoas:
os mesquinhos, que não amam senão a si e olhe lá;
os gratos, que amam aquilo que lhes dá vida e odeiam aquilo que lha tira;
e os generosos, que têm uma compreensão divina...




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O título é baseado em Camões.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Cômodos e Incômodos

Havia uma antesala do seu coração
Que você guardava
Para as visitas mais queridas
E quase incômodas.

Mas eu não te incomodo mais.
Só minha ausência agora

Palpita ainda em teu peito,
Teimosa,
Sussurando, inaudível,
O próprio vazio daquilo
Que nunca fora preenchido.

Do átrio ao porão
Do esquecimento
Apenas um passo.

Do ventrículo ao átrio,
Apenas um passo,
Que percorre o corpo inteiro.

Você me esqueceu
Como se eu
Fosse pranto -
Mas sou sangue.

Eu ainda estou nas ruas
Para as quais teu coração,
Oco e involuntário, me expulsa.

Eu ainda sou a chuva,
Mas a chave da tua ternura
Está no cabo de um guardachuva.


Desenho de Kurt Halsey

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Por que muitos se irritam comigo?

Porque eu faço uma afirmação pura, e as pessoas pouco sabem proceder assim, demasiado imperiosas. Elas compreendem tão pouco o que é uma afirmação pura, que acabam por acreditar que só é possível afirmar negando. Então elas negam a mim, negam o que eu afirmo. O que eu afirmo a quem desgosta de mim e a quem não me quer? Afirmo minha calma, vos amo, meus mesquinhos. Batam em mim, se quiserem, estou disponível, se vós só sabeis ser alegres excluindo a dor, concebendo e opondo-se à tristeza. Mas quem de vós entendeu até hoje o que é a tristeza? A tristeza é uma expressão da potência. Talvez vós achais que dizendo isso eu me escuso, mas são vós que assim vos escusais ao afirmarem através da negação, e eu, por fim, escuso vocês porque sei de um amor mais verdadeiro. Oh, meus doces lobos, travestidos em peles de ovelhas, a que servem tão longas orelhas, por debaixo destes tão longos panos? Eu digo tudo a vós, mas o que vós sabeis ouvir? Vós ainda achais que estou julgando, mas como pode um moralista entender que a lei é ainda a expressão de um desejo, enquanto ele próprio só conhece julgamentos e dívidas? Esta, o sei, é a parte que menos entendeis. Me acusais do vosso próprio ato, porque tirei minha máscara e porque quero tirar a vossa – sei que sabeis fazer duma mentira alegria, mas vos convido a fazer uma alegria de uma verdade! Mas eu não preciso de vós, como vós fingis precisar de alguém. Como se pode não entender um homem ambíguo? Ele afirma tudo! É translúcido! E enquanto ele os convida para o melhor, vocês conclamam o direito do desejo para a destruição. Eu os concedo, mas com quantas destruições se faz uma criação? Pergunto-lhes quase com a certeza de que darão as piores respostas. Quando entenderão a diferença entre a negação da afirmação e a afirmação da negação, que está contida nos simples e ignorados conceitos de afirmação e negação? Minha boca é um labirinto como nada em vós é – e pretendeis calá-la com vossas linhas retas? Dos vossos fios eu faço nós!
Sois vós que inventais a tristeza – eu simplesmente a abraço, porque me encanta cada mísera afirmação que encontro em vós, inclusive a mais egoísta. De cada desejo vosso, estreito, longo, profundo, unidirecional, eu faço dobra, superfície, novelo, tecido, multiplicidade, circularidade, esfericidade – vós achais que são um eu, e a vós eu apresento um outro eu: é assim que faço nós, é assim que faço deus.
Vós confundis crítica com depreciação, rejeição, mesmo quando a faço rindo. A alegria alheia dói nos tristes. Se de vós estou longe é porque não sabeis estar perto de minha alegria, porque vos machuca. Antes de afirmar minha tristeza e tua alegria, ou minha alegria e tua tristeza, faço meu distanciamento afirmar ambas nossas alegrias, inclusive a tua, mesquinha. Quem mais sabe ser generoso com a dor?
Que mais vós conseguis afirmar, além das próprias paixões?

quinta-feira, 24 de maio de 2007

"Você passa e não me olha, mas eu olho pra você. Você não me diz nada, mas eu digo pra você. Você por mim não chora, mas eu choro por você" Ben Jor

Olha uma beleza passando, como não querê-la, como não chorar? Sim, eu sempre perco, mas não penso nisso, eu penso no que ganho, eu penso nesta presença que há para mim, que presença não pode iluminar?

Como não ter esta disposição de te abraçar para sempre, mesmo que eu não vá te abraçar para sempre? Como não ver o sol chorando, fazendo das suas lágrimas a amplidão azul?

Você, você, você e você, amada, querida e desejada, e todas as outras [de você]; oh, todas as vidas com que me encanto! Como não dizer quanta falta elas me fazem?, mesmo sabendo que elas existam para mim por excesso - Só com imaginação; só com a minha boba fantasia o que eu quero se torna presente, Porque você, você, você e você e eu não temos braços, nem palavras, nem rios, nem peles, nem corpos, aparentemente; ou, se temos, não fazemos uso deles, o que, em termos de efeitos, dá quase no mesmo. Mas o que me permite vestir as fantasias é me reconhecer nos nossos olhares fugidios.

É porque nossas solidões nos desesperam, ou talvez exatamente por não nos desesperarem, que o nosso melhor encontro se queda dificultado; o nosso encontro mais calmo, mais íntimo, onde não só nossas superfícies se encontram, mas também nossas profundidades.

E eu diria tudo, mais verdadeiro, mais amoroso, mais por ti e mais por mim, um encontro mais significativo, mais intenso, porque mais encontrador e mais encontrado.

O silêncio é mais que o fim, é o começo: despir-nos de nossas macaquices, de nossos medos, para começar a poder sermos nós mesmos.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

para quê mesmo perguntar pela tristeza?

Antigamente, este blog tinha por título "O que é isto, a tristeza?". A intenção da pergunta era que ela funcionasse não como um processo de curiosidade, mas que denotasse determinada postura, que entrasse em um processo de desconhecimento, de estranhamento da tristeza.

Não que a intenção não seja boa, nem que a tentativa tenha falhado. Acontece que a própria intenção do blog é flutuante, e eu não saberia elaborar um título ou uma descrição que sintetizasse esta intenção, é mesmo difícil fazer isso ainda apenas considerando somente a intenção momentânea do mesmo.

Então se antes a intenção era não responder à pergunta, me dei conta que o melhor que tinha a fazer era simplesmente calar-me, já que não estava perguntando por nada, efetivamente, e o silêncio é a melhor afirmação do desinteresse.

Talvez uma das intenções do blog seja mudar, também porque isso não é alguma coisa à qual se possa escapar, a mudança. Então se a minha primeira proposta era parir outro de mim, aí está, e aí está estando, ainda não deixei de parir.

Aliás, já que estou nesta espécie de tom editorial, que se anuncie que aquilo que foi identificado como a principal intenção do blog era exatamente existir mais. Neste sentido, agradeço àqueles que me ajudarem divulgando este blog. Obviamente que vocês só farão isso se tiverem gostado dele, então para mim isso seria duplamente gratificante.

O novo título ("O que consigo afirmar?") é contíguo ao antigo; incrível que pareça sou um cara constante. Diria que é mais sintomático, querendo dizer com isso que ele se torna um índice do modo de operação do blog, que é a escrita, e também que é melhor em dois sentidos: primeiro porque pergunto pela minha própria potência, e segundo porque pergunto pela minha alegria. Coisas pelas quais estou efetivamente interessado. Se trata realmente mais de enunciar afirmando (mostrar através de propostas positivas) do que de conceituar (aqui, pelo menos, serei mais artista que filósofo).

Creio que, durante toda minha vida, tenho afirmado sem saber muito aquilo mesmo que afirmo. Meu próprio questionamento é, assim, providencial e oportuno, pois me torna mais responsável com aquilo mesmo que eu afirmo. Afinal, quero que Jesus não se refira a mim quando proponha perdoar aqueles que não sabem o que fazem; é uma condição terrível para um artista não saber aquilo que criou, aquilo que destruiu ou como o fez. De casual já basta o universo.

Que a viagem prossiga.

Um abraço pessoal (sim, esta frase não tem vírgula entre o abraço e o pessoal - mas não se acostume comigo explicando aquilo que digo; me considero alguém sutil e direto, por mais que isso pareça uma contradição, já que a sutileza é algo que aparece pouco; dou esta chance exatamente porque vocês não me conhecem e exatamente para me conhecerem mais).

segunda-feira, 14 de maio de 2007

"Te espero para ver se você vem, não te troco nesta vida por ninguém" Tim Maia

eu fico longe
que é pra ver se você vem.

pego no seu pé
porque na mão não posso.

nosso desentendimento nos salva,
diz minha velha consciência.

como você não entende
que eu não posso te falar
o que você não quer ouvir?

é como se fosse simples
você só ouve o que quer
então se você não ouve
o que eu quero dizer
eu não tenho o que dizer.

você diz escolhe a mesa
mas depois não quer a mesa que escolhi.

é como se fosse simples
você não quer ouvir o que eu quero dizer
e eu não quero dizer o que você quer ouvir

e, no entanto, a gente pensa que se ama.
o que é o amor mesmo?

sábado, 5 de maio de 2007

070424

Estou parindo alguém de mim. Não é que doa ter que mudar, criar novos hábitos, estar inseguro; dói é ser ainda alguém que não se encaixa mais no mundo. O que dói é este eu que morre enquanto pare, e que resiste à morte, não quer ir. Às vezes penso que eu mesmo queria completude, permanência. Se nós dois soubéssemos ser o mundo, não precisaríamos nos despedir. Às vezes eu nem mais sei o que é o ideal, só sei que estranho o real, estranho o amor dos outros, estranho o amor meu. Não reconheço nada disso, nem mundo, nem amigos, nem o amor, companheiro tão íntimo e de longa data, não reconheço a mim próprio. Achei este pensamento em redor de minhas confusões, e ele parece muito apropriado: se faltam meios, é porque não há fins. De novo eu pergunto pelo meu fim; às vezes nem minha ambigüidade parece capaz de me ajudar. É que ainda não sou ambíguo o suficiente. Estou muito acostumado a viver à beira do máximo. Pelo menos há agora ainda um máximo, embora não seja um máximo de conforto, de alegria ou de prazer. Mas eu sei que sei afirmar cada bobagem e cada coisa terrível, e, enquanto eu tiver esta crença travestida de saber eu vou tentar. Morro ainda jovem, para poder nascer de novo, e ser mais jovem ainda. Morro para não contar nada além de minha liberdade. Quero amar como nós somos. Se você souber ainda sorrir para mim...

Como a liberdade não vai ser o melhor?
É isso, para não ver quanto sou livre
Eu tive que me ater ao dado;
mas há o jogo. Se eu quero te machucar?
Se assim podemos ser felizes?

Me machuca que eu serei ainda feliz.
Nós próprios somos o mal e o remédio.

Há um detalhe perdido num instante
Que faz toda a vida valer a pena.

É isso, e você os tem.
Não são meus, mas você os acha.
Quero que não sejam meus.
Na verdade, eu quero não ser perfeito.
Dou-te a tua liberdade.

Se não vivo o máximo,
é ocasião de ser o máximo.
Abro bem meus olhos,
aprumo minha coluna,
Estou pronto para todos os desejos
Os seus e os meus.