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quarta-feira, 16 de abril de 2008

Isabella Nardoni

O caso é o exemplo típico de como os telejornais são tão pouco inteligentes, eficientes e úteis. A única utilidade que a grande amplitude na cobertura alcança é forçar as autoridades responsáveis pela investigação a serem mais minuciosos e cuidadosos, o que não deveria ser necessário, bastando simplesmente que tais autoridades fossem competentes e éticas. Então as pessoas acreditam e investem afetivamente naquela tela plana e multicolorida e nas idéias que ela causa. Alguns até saem por aí gritando "assassino!" e ficando de tocaia a fim de linchar o próximo.

O caso recebe prioridade em todos os telejornais, mesmo que não haja nenhuma informação nova a ser repassada, aliás, praticamente não há nenhuma informação nova relevante desde a primeira divulgação do ocorrido. Então o que é dito num dia é desdito no outro para no seguinte ainda ser criada uma terceira hipótese. Muito trabalho para pouco resultado.

Depois o telejornal ainda me diz que a morte da menina causou grande comoção em todo o Brasil, sendo que o grande responsável pela comoção foi o próprio telejornal, exatamente porque insiste nisso como se fosse a coisa mais importante que existe no mundo. É a santa ingenuidade de acreditar que o público quer ouvir exatamente o que se quer falar, o que não deixa de ser verdade já que o público assiste o telejornal independentemente do que veiculam nele. Assim acreditam estar informados do que ocorre no mundo, o que também é um jeito de alienar-se do que acontece em nossa aldeia e daquilo que podemos fazer para melhorá-la. Ficamos mais próximos e pessoais (isto é, nos causa mais afeto) de uma menina morta com quem nunca falamos do que com nossos próprios vizinhos.

Os católicos não perceberam, mas os meios de comunicação em massa são a besta, e a internet é o juízo final. Podemos procurar pela informação que queremos da fonte que queremos. No entanto, as pessoas não querem procurar, muito menos encontrar, elas nem querem querer (adivinha quais são duas das expressões mais buscadas nos sítios de pesquisa? Não por acaso, Isabella Nardoni e dengue). Só querem descansar do seu dia de trabalho, que é mais árduo e menos eficiente do que deveria, então se distraem com uma novelinha que já vem pronta na tv, seja ela real ou fictícia - ou ambas, como o bbb, afinal, real tudo é, inclusive qualquer jogo de aparências. É quase incrível, as pessoas se emocionam mais com ela do que com sua própria vida. É que talvez, se não o fizessem, teriam muito o que chorar.

A repercussão da morte de Isabella veio a ocupar o espaço destacado de divulgação dos casos de dengue. Temos o quê, uns noventa casos de morte? Sob este critério, que é um critério relevante, a notícia dengue seria 90 vezes mais importante que a notícia Isabella. Através da notícia da dengue, podemos perceber como é mais importante pro telejornal contabilizar mortos e feridos do que divulgar meios de evitar e diminuir mortes e ferimentos. O exemplo se torna mais claro se pensarmos em acidentes de trânsito. Na maior parte das vezes, a tv só faz propaganda contra a direção alcoolizada (freqüentemente em campanhas que são financiadas pelo governo ou pelas próprias fabricantes de bebidas alcoólicas), que é um dos grandes fatores de risco, é claro, mas acaba por negligenciar outras atitudes que podemos tomar ou mesmo o espaço para discussão do problema - os diagnósticos (isto é, os números) vêm prontos das instituições de pesquisa, porém as soluções? A tv é um meio, e será tão prenhe de questões relevantes a tratar quanto é prenhe a cabeça de quem concebe os programas transmitidos nela. Mas o que os jornalistas efetivamente sabem? Grande parte das informações que repassam eles adquirem de outras pessoas! Não sejamos tão exigentes, porque poderia ser pior: comentários sobre a vida extraprofisional de famosos. Vivemos de sensacionalismo em vez de educação, o que não deixa de ser estranho, já que a educação é tão violenta quanto uma sensação. Tampouco se trata de achar que um objeto frio, impessoal, unilateral e que mantém relações não-recíprocas seja capaz de educar. Exatamente porque o que educa é o afeto e não a informação. Só mesmo numa acepção muito especial você enquanto ia para a escola ver um desenhinho no livro de uma mitocôndria e ler sobre sua função estava sendo educado. Também os professores mantêm a prática de repassar informações em prejuízo de proporcionar experiências cognoscitivas. Ainda não aprendemos a educar e, enquanto não o fizermos, nossa sociedade travará eternamente sua luta do altruísmo em detrimento do egocentrismo - aquilo que alguns chamam, às vezes fervorosamente, de bem contra o mal.

Não obstante, o jornalismo ainda é um dos únicos campos, bem como o das relações amorosas e o comércio (especialmente o capitalista, pois há algo nele de antieconômico, ao privilegiar a posse e o uso privativo, incentivando assim a produção excessiva de bens e sua respectiva exacerbada disponibilidade, o que, em termos simples, chamamos de desuso), onde exclusividade ainda é um elogio.

Os assassinos, os flavivírus, as emissoras de tv não são más, só praticam o seu desejo de ser excludentes. Até mesmo as igrejas fazem isso!

Os tolos tomam por qualidade aquilo que é abuso de poder. Nada é mais terrível e contraproducente do que ser o único capaz de oferecer algo que todos querem ou que é bom para todos. Mas a todo momento, utilizamo-nos disso como autopropaganda. Nesse sentido, preocupamo-nos mais em apontar o fracasso dos outros - e inclusive causá-lo - do que em nos aprimorarmos naquilo que fazemos, e nos tornarmos bons por nós mesmos, isto é, além de todos os parâmetros medíocres, comparações infames, até mesmo covardes, onde somos apenas considerados bons em detrimento de outras pessoas.

Se queres saber, os jogos de poder, de desejo não me excitam mais; além do quê, eles perecem como o amor não o faz. Como me contentaria com pequenos arranhões depois de ter conhecido as garras do amor?

Fora isso, uma das únicas questões a que procuro alternativas é o fato de a educação dificilmente deixar de ser um jogo de poder, porque quando não somos educados, somos educadores, para além do princípio da razoabilidade, porque o eu tende a achar-se sempre razoável, e quando julgar que o desejo do outro é desprovido de razão, convencido estará de que ele próprio está coberto de razão.

Quantos percalços nos dão, os limites de nossa lógica apaixonada...