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quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Temperança


"Porque não é o que os humanos mais cortejam que é o melhor,
Nem é o pior aquilo o que mais refusam;
Mas mais conveniente é que todos os alegres permaneçam
com o que contêm: cada um tem a fortuna em seu âmago -

É a mente que faz bem ou mal,
Que faz miséria ou ventura, riqueza ou penúria.
É a mente que cria o bom e o ruim, saúde e doença,
Que estabelece a própria graça ou desgraça."1

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É melhor reinar no céu do que em qualquer outro lugar; e é melhor reinar do que servir; e o céu é melhor do que o inferno; logo, mesmo reinar no inferno não deveria ser considerado melhor do que servir no céu. Isto porque o céu é infinitamente melhor do que o inferno, e reinar não é tão melhor que servir. Servir no céu é uma honra e uma dignidade, enquanto que reinar no inferno necessita constante vigília com contratempos e eventuais insurgentes. Servir por uma boa causa é psicologicamente recompensador, enquanto que dominar seres baixos e vis é tarefa ingrata, pois requer que se alimente do medo, da raiva, do ódio e do rancor.

É claro que não escolhemos o céu e o inferno, prévia e absolutamente. Um imagina o céu e logo dele vai atrás. Não significa que o atinja. Tampouco se escolhe absolutamente entre reinar e mandar ou servir e obedecer, como se fossem tendências iguais. Fazemos como devemos fazer. Fazemos como sentimos que podemos. Mas como o céu e o inferno não existem de fato, mas são inferidos como tais a partir de (1) estados mentais, físicos e emocionais e (2) categorias ideológicas de cada um a cada momento; céu e inferno são totalmente subjetivos. Alguém poderia argumentar que são quase totalmente subjetivos, mas tome a dor para um masoquista: é o céu; ou ao menos um meio para o céu, de qualquer forma. Céu e paraíso correspondem a interpretar as coisas, tais como elas são ou se apresentam, como boas; assim como o inferno corresponde a interpretar as coisas, tais como elas são ou se apresentam, como ruins.

Então, como Spinoza e muitos outros nos disseram, inclusive antes dele, podemos escolher entre céu e inferno. Esta não é uma escolha aleatória, a menos que queiramos. Então a questão é apenas reinar ou servir. E isso depende apenas de nosso desejo de ser amado e de nossa vontade de amar. Mais provavelmente nosso desejo de ser amado nos levaria ao inferno de qualquer maneira, assim como nossa vontade de amar nos levaria ao céu.

E há algo além disso. Enquanto escolhemos amar ou servir (outro ser), nós provavelmente somos levados a sermos amados, considerando que uma reciprocidade relativa é uma lei quase natural das relações sociais e mesmo animais. Todo o ser se comporta conforme considera adequado ao contexto. Se alguém me faz uma carícia, eu provavelmente quererei retorná-la. Se alguém me dá um soco, eu provavelmente quererei retorná-lo. Então assim que escolhemos servir, talvez sejamos levados a reinar, em alguma medida; não sobre tudo, o que é certamente impossível, mas ao menos sobre algumas coisas e alguns seres. E isso deveria ser suficiente.



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"For not that, which men covet most, is best;
Nor that thing worst, which men do most refuse;
But fittest is, that all contented rest
With what they hold; each hath his fortune in his breast."1


"It is the mind that maketh good or ill,
That maketh wretch or happy, rich or poor: (...)"1


Is it better to reign in hell than serve in heaven? (About Milton's phrasing, line 263, book 1)

Not sure. I had an answer for it. Dichotomies are not intelligently laid. Better is to reign in heaven. I guess we actually don't chose heaven or hell, neither do we chose to really reign and rule, or serve and obbey, from equal tendencies. We do as we must. We do as we feel we can. But since heaven and hell don't exist, but they are infered as such from the mental, physical and emotional states and ideological categories of each one in each moment, heaven and hell are totally subjective (one could argue "almost so", but take pain for a masoquist: it is heaven, or a means to heaven, anyway). The choice is paradise (things - as they are or appear to be - are good) over hell (things - as they are or appear to be - are bad).

So, as Spinoza and many others told us, even before him, we can chose heaven over hell. That is not an alleatory choice, unless we will it. So the question is only to reign or to serve. And that depends only on our desire to be loved and in our will to love. Most probably our desire to be loved would lead us to hell anyway, as our will to love would lead us to heaven. Again, the dichotomy does not stand.

And there is something else. As we chose to love or to serve (another being), we probably are lead to be loved, since a relative reciprocity is an almost natural law of social or even animal relations. Any being behave as deem properly to a context. If one makes me a caress, I will probably want to give it back. If one gives me a punch, I will probably want to give it back. So as we chose to serve, we may be lead to reign, to a certain extent, not over all, which is certainly impossible, but at least over some things and some beings. And that should be good enough.


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1 Paráfrase/Quotation by: Spenser, Edmund (1596). In: Craik, George Lillie (1845). Spenser, and His Poetry: In Three Volumes, Volume 3 (P. 71), The Fairy Queene. Ed: Knight.

2 Imgem/Image by: Salhi (2007). Fire Horse. Available in:

3 Música/Music by: Okkervil River (2005). Black. Jagjaguwar: Black Sheep Boy. Track 05.



sábado, 27 de dezembro de 2014

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Um lembrete, em tempos de prostituição e trivialidades

Convém àquele que quer (para mim querer é ato intransitivo, que, no máximo, poderia ser traduzido por querer tudo - mas concedo aos mais despreparados o seu objeto particular, sua fantasia), escolher bem as encruzilhadas onde venderá seu corpo - ou sua alma. Como se sabe, a sorte e o destino se dão em função dos caminhos e das escolhas. Precioso que a vontade saiba seduzir, do modo que lhe convier: que cante, que inebrie, que dance, que apazigue... O modo pelo qual a vontade conquistará os seus amantes não precisará condizer com mais de duas coisas: o seu destino e ela própria.
Jorge Papapá canta inescrupulosamente o amor veraz, o amor de ninguém: o amor é de ninguém e é narcísico, só quer a si mesmo (não quer, portanto, o ódio). Somos o meio, nós, os tradutores. Traduzimos o amor em amor, mas creio que ele estava falando do desejo. É como Delari [deleuze+guattari] pretendendo nos dizer para perder o nome e o rosto e sermos impessoais. Mas quem ama pode ser tão pouco minucioso? E, para nós, contemporâneos, se o amor se livra das amarras é para cair nos fluxos fugazes do desejo. Mais uma vez, escolhi o caminho do meio - e nada poderia ser tão infrutífero. O ciúme nos torna radicais, e também a solidão. Mas não toda a solidão. Não para quem é generoso com a solidão. Mas eu não estou mais sozinho, escondi minha solidão nos outros. Finjo estar perto para poder levar mais longe. Descobri que mais do que dicordar, gosto de levar mais longe. Porque reconheço que você me atravessa de um jeito que então não posso ser inteiro. Procuro-te em pensamento e não acho algo que diga algo, miragens móveis, voláteis no deserto. O corpo arfava enquanto a mente prescrutava, e não posso ser eu simplesmente quando você está no meio. E você é precisamente aquilo que está no meu meio, aquilo que está estorvando o meu fim. Se você é a seta que me desmonta querendo outra coisa, é oportuno eu te erguer e jogar longe. Sei bem fazer isso: sem que te doa. Você é um pouco a seta e um pouco o alvo, mas depois o que quero está além de você. Atravessada na garganta, que engole seco ou sangue. E o silêncio é mais incompetente 'que eu.
De Leve [http://dicamelim.blogspot.com] foi pro funk (ou melhor: estilo foda-se?) e fez sua obra-prima, na minha singela e superficial opinião: O que que nego quer? [http://media.trama.com.br/tramavirtual/mp3/m_38/193152.mp3 http://www.youtube.com/watch?v=EK7Apnie-4E] E a pergunta que coloco é: até onde pode esse movimento levar? Qual a mais pura nata do "vulgar" da sexualização (se existe a sexualização é porque um dia nós, seres sexuais, nos dessexualizamos)? Quer dizer: alguns estão tentando criticar a bunda com a própria bunda - e quem, de sã consciência, vai hoje no brasil se opor às bundas? Somos feitos delas! O punk brasileiro hoje não é o funk? Lembro-lhes, amigos, que quem faz cultura é a arte. Ou a maldição do pop (acessibilização da obra ao gosto) é a moda que veio pra ficar? Questões prementes para nós, artistas contemporâneos (estou falando da arte no mundo hodierno, e não da arte pós-Duchamp, que era um ignorante genial, e que influenciou muitos 'artistas', digamos, para ser afirmativo, que errar uma vez é procurar, e errar outras vezes é continuar procurando - como se conseguiu em plena modernidade não ter uma visão histórica? ou não se entender que o conceito está na própria metáfora e é mais belo que assim esteja? ou que o relativismo, o subjetivismo só implica em qualquer coisa num sujeito destituído de vontade estética, mais conhecido como o nihilista? - eles mal sabem o que é arte, fizeram dela um paradoxo quase ininteligível), que lutamos pelo espaço para demonstrar nossa arte sempre através das mais eficazes (e, portanto, mais deturpadas) traduções. A sedução é tanta que não sabemos mais o que é sério e o que não é (João Brasil [http://fmjoaobrasil.blogspot.com] diz que faz suas músicas de maneira séria, e que só agrada os outros porque agrada a si mesmo - fico eu pensando: e eu, gosto desse papapapapaparára porque tem suíngue ou por que me faz rir?). O que é o aprimoramento do narcisismo (deixaram os blogues de ser, se é que um dia foram, de adolescentes meigos e carentes ou, simplesmente, os rapazes ganharam barba e as moças cortaram o cabelo propondo a sua produção cultural - música, literatura, intelectualidades, dando estilos coquetes - e às vezes subversivos - ao seu inocente desejo de ser amado?)? Se há já no eu a instância do outro (como Freud perspicazmente propunha), o que me agrada em mim mesmo não é talvez o outro que há em mim? Se a fantasia é inerente ao humano, nossa questão fundamental é a dialética do desejo? Sofreremos sempre de nos entregarmos demais ao outro ou não nos entregarmos de modo algum? Sadismo e masoquismo no templo da democracia.
O trivial gera polêmica e o mau gosto nos redime. Nem mais eu sei se estou usando o caminho mais fácil pra chegar no lugar mais difícil (será que esse caminho leva lá?) ou se estou propondo o outro caminho (será que então é possível que ele realmente leve a algum lugar?).
O que sei é que nunca suplicaria como Miguel Torga (incrível que pareça, a solidão é mais impossível que o amor).